P r e f á c i o

Na resonância do apito do trem e do apito do samba, "nasceu lá em Mangueira, o ídolo sagrado da música popular brasileira: Emilia Savana da Silva Borba".

Apadrinhada por Braguinha e Carmem Miranda, da Urca à Rádio Nacional, a estrela despontava. Nessa ocasião a Revista Carioca escreve: "Emilinha vem conquistando todo o país, usando unicamente uma arma: a sua voz. Ela canta com emoção e alma. Faz juz ao slogan dado por César Ladeira - a Garota Grau Dez".

Na Nacional, Emilinha é a estrela maior a qual gravitam todas as atenções. Transpondo barreiras, limites e censuras, queria cantar todas as canções e atingir todos os públicos. Para Paulo Gracindo ela é o "Getúlio da Canção" e para César de Alencar, "A minha, a sua, a nossa favorita" e nós todos os brasileiros emocionados, esperávamos a voz doce do "pássaro dourado do Brasil".

A imagem vinha através de deliciosas comédias musicais e nas capas de centenas de revistas que povoaram e povoam nossos sonhos.

Essa imagem, recatada, contrastava com a insinuante mulher que
"uma vez lá em Cuba dançando uma rumba disseram que era escandalosa"...
ou da
"Chiquita Bacana que se veste com uma casca de banana"...

E os marinheiros não resistiram ao fascínio da morena de pele aveludada e voz quente e a escolheram através do voto direto a sua favorita. Segundo pesquisa do Anuário do Rádio, Emilinha é o único nome feminino entre os cinco mais famosos cantores brasileiros. E isto em 1949.

O baião surge, e tem em Emilinha o impulso para conquistar todo o país segundo Luiz Gonzaga. Neste clima de euforia, Yara Sales e Hebert de Boscoli, anunciavam que a "Felicidade Bate à Sua Porta".

Emilinha cantava acalentando o sonho de muita gente. Tempo de alma e coração, "talvez tenha sido um dos únicos momentos que a felicidade bateu à porta do Brasil", escreveu o jornalista e escritor Roberto Drumond.

Escolhida pela crítica e público como melhor cantora de 50 à 53 Emilinha é eleita a Rainha do Rádio. Todo o Brasil participa dessa campanha monarquica, numa rajada de democracia sem precedentes. O povo não que apenas eleger uma rainha, mas pagar uma dívida, fazer um resgate e provar de uma vez por todas quem é a maior. Mas tamanha fama, prestígio não podem ficar impunes. Surge daí toda sorte de achincalhes. Tempo de discriminação e elitismo, de macacas de auditório . . . Boleros, rumbas, samba-canção, baião e marchinhas, tornam-se símbolo de cafonice, mal gosto. Emilinha resiste a tudo isto, assume o seu povo e inconsciente ou não, torna-se o símbolo da luta de classe, da defesa da cultura popular urbana brasileira. Responde ao autoritarismo crítico com garra e talento. Percorre todo o Brasil fazendo novos amigos . . . "Ver Emilinha era o que eu mais queria na vida", diz Clara Nunes, e arremata "valeu a pena viver até aquele dia, só para ir à Sete Lagoas ouvir Emilinha cantar".

Refrescam-se os ânimos. É tempo de rever o que ficou de toda aquela euforia. Torquato Neto dá-lhe vivas e a inclui na "geléia real brasileira". A sociologa Mirian Goldfeder analisa a natureza humana do mito Emilinha, em tese de doutorado na USP. O Jornal Daily Post diz que "Emilinha é o símbolo da comunicação de massa no Brasil". Já não é mais tempo de maniqueísmo radiofônico e dos auditórios que se acabaram. Não tem mais a Revista do Rádio.

E Emilinha está aí. No Circo Voador, New York, Israel, Londres ou Brás de Pina. Contando glórias no tempo, ela se fez maior e com a sua liberdade, na tristeza de um nó. Hoje Emilinha é a nossa canção. É e será sempre. Num país iconoclasta, Emilinha permanece porque a sua conquista é anímica e sua estrutura sedimentada pelo povo.

Hoje não interessa mais a disputa de quem é a maior, porque Emilinha está acima do bem e do mal. Para artistas do seu porte o que vale é o momento mágico de sua presença e as canções eternas por ela criadas. Cante, cante sempre Emilinha, cinderela que acabou Rainha do Brasil.

Urbano Camara - "in memoriam"
(Ex-Presidente do Fã Clube de Emilinha Borba)

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